quinta-feira, 26 de abril de 2012

A OPRESSÃO MORAL DA CULTURA DOMINANTE

Infelizmente, a tendência mais comum entre os humanos é considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo.


por Lucas Ribeiro Novaes
O primata, como ironizou um antropólogo físico, não foi promovido da noite para dia ao posto de homem. O conhecimento científico atual está convencido que o salto da natureza para a cultura foi continuo e incrivelmente lento. Ainda sim, não são poucas as iniciativas de algumas instituições, como a família, a escola e a igreja, no sentido de tentar, a todo custo, naturalizar tipos de comportamentos, com o intuito de sustentar hierarquias e normas de controle social. Com a percepção comprometida pela necessidade de defesa de seus interesses, grupos dominantes analisam a realidade objetiva sob a perspectiva de seus valores, considerando anormal todo tipo de conduta que fuja dos padrões que foram criteriosamente estabelecidos ao longo da história. 

Fingimos ser indiferentes ao fato de no Brasil, a cor que represente o luto seja o preto e na China o branco. Que em algumas tribos indígenas o infanticídio seja encarado com extrema naturalidade e que em alguns clãs do hemisfério norte, em determinado momento, os pais sejam levados pelos próprios filhos ao topo de uma montanha onde são despidos e servidos como alimento para os ursos polares. Contudo, não somos indiferentes quando a diversidade cultural questiona a égide da moral normativa, nem muito menos problematizamos as questões que incidem sobre as desigualdades sociais que assola e estigmatiza determinados grupos a centenas de anos. Como asseverou Montaigne: “na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra”.

Ator e autor de sua própria história, o homem vem a milhares de anos transformando o ambiente natural a favor de seus interesses e de suas ambições. Provido de propriedades únicas dentro do reino animal, nos destacamos entre todas as outras espécies pela nossa capacidade de produzir cultura, ou seja, de decodificar, estilizar, acumular e transmitir signos e símbolos que são os constituintes de nosso mais sofisticado mecanismo de dominação: a linguagem. Infelizmente, a tendência mais comum entre os humanos é considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo. Essa postura forjou o etnocentrismo e o heteronormativismo na nossa cultura, algo que vêm contribuindo significativamente para a disseminação da violência entre grupos de indivíduos que não compartilham das mesmas ideias e dos mesmos princípios.

Acho que foi Marion Levy quem disse: “nenhum sistema de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma sociedade são todos os indivíduos igualmente bem socializados, e ninguém é perfeitamente socializado”. Então, como podemos exigir do outro, uma conformação, ou melhor, um enquadramento perfeitamente assimétrico dentro das normas de uma sociedade líquida, alicerçada em valores fluidos e inconstantes? 

Sabemos que resultaram frustradas todas as tentativas de provar que as mulheres constituem um gênero inferior, que os negros são intelectualmente defasados com relação aos brancos e que os homossexuais são representações simbólicas do demônio na terra. Contudo, na defesa de seus privilégios, a igreja, a escola e, sobretudo a família burguesa, tenta, de todas as formas, estabelecer normas de comportamento social passando assim, a falsa impressão de que estão defendendo a ordem e a moral, valores divinizados e que precisam ser protegidos por aqueles que demonstram ser mais “íntimos de Deus” ou melhor, portadores de suas palavras, estas, sempre ricas de duplo sentido.

- Por Lucas Ribeiro Novaes, estudante de Psicologia 8º Semestre.

29º CONGRESSO LATINOAMERICANO DE PSICANÁLISE

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