É escusado dizer que o preconceito sempre serviu para manter hierarquias, sobretudo as de ordem heteronormativas, aquelas que elegem sobre uma ótica machista e reacionária a posição de subalternidade de indivíduos que transgridem padrões de conveniência, estabelecidos, culturalmente, para demarcar posições de poder. Mesmo diante de todos os espaços conquistados pelos homossexuais nos últimos anos, ainda sim, emergem, do fundo das profundezas da ignorância, movimentos que visam homogeneizar os padrões comportamentais de toda a sociedade.
As pressões sofridas por esses grupos, tidos, estrategicamente como “minoritários”, reflete uma forte crise narcísica que acomete boa parte de nossa sociedade que não tem conseguido, ao menos na seara de suas práticas cotidianas, lidar com a impiedosa moral católica interiorizada em cada um.
Os guetos GLBTs configuram-se, nesse sentido, como espaços de interesse de todos aqueles que se encontram na “zona de fronteira”, de todos aqueles que questionam as instituições fundamentalistas, ortodoxas e de espírito anacrônico que, fechando-se para o debate das questões da heterogeneidade, defendem-se sobre o argumento de estarem a serviço da proteção de valores que são, quase sempre, completamente antagônicos as suas práticas institucionalizadas.
É nos guetos que as novas identidades sociais se assumem e criam forças para se representarem em ambientes menos restritivos. As ações ou omissões destinadas a degradar ou controlar os comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento, ou qualquer outra conduta que implique em prejuízo a saúde psicológica, não encontra, nesses espaços, força de expressão.
Assim, é necessário afirmar que gênero não é apenas um conceito ou um campo de estudo, é, sobretudo, uma relação de poder. Mesmo o termo gay, de origem anglo-saxônica, que empresta um glamour de país desenvolvido aos homossexuais latinos, foi logo transformado em expressão pejorativa e por que não dizer, em nomenclatura de uma patologia incurável e contagiosa. É preciso questionar a posição do sujeito moderno como um todo, inclusive questionar a sua postura diante do discurso capitalista que tenta cooptar simbolicamente as “identidades homossexuais” a fim de subvertê-las a ordem da vulgarização subjugando-as assim aos interesses do mercado.
A não-heterossexualidade se tornou muito mais do aquilo que ela já foi um dia. Deixou de ser uma forma de prática da sexualidade, e passou a ser, com o correr do tempo, uma questão religiosa, um lógica de relação, um caráter psicológico ou qualquer outra coisa que possa ser naturalizada, explicada pela via da ciência cartesiana, pela ótica do positivismo absoluto. Entretanto, mesmo que ainda sejam vitimas preferenciais de grupos e instituições hipócritas e violentas, mesmo que nosso país seja o que mais mata gays em todo o mundo, penso que as últimas conquistas dos homossexuais têm servido para re-alimentar as esperanças de uma sociedade mais justa.
Os tabus em torno da sexualidade e as forças do cristianismo em nossa sociedade nos fazem muitas vezes achar que o sexo bom e certo é aquele feito apenas para gerar filhos. Assim, as pessoas que mantém relações sexuais apenas por prazer, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, são criticadas como sem-vergonhas, safadas, devassas e promiscuas, até quando fingiremos não saber o que acontece na intimidade de certas instituições falidas como é o caso da escola, da família e da igreja? A sexualidade humana é um complexo de fatores – biológicos, sociais, culturais e pessoais. Portanto, ninguém é capaz de determinar as razões que leva um homem a se sentir atraído por outro homem ou uma mulher por outra mulher.
A principal função dos defensores da moral cristã é a de não permitir que a discriminação e a inferiorização de certos grupos sejam interpretadas como mecanismos da injustiça entre diferentes posições identitarias, mantendo, assim - e aí está o seu conservadorismo-, uma relação de opressão invisibilizada como naturalização das relações de subordinação social. Contudo, é preciso nos atentar para esta dinâmica do preconceito que categoriza grupos subalternos a partir de conceitos e significações tidas como naturais. Enfim, como bem aponta Santos: “devemos lutar pela igualdade quando as diferenças nos inferiorizam e pela diferença quando a igualdade nos homogeneíza”.
Lucas Ribeiro
Coordenador Geral do GAPS